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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

Notícias | Meio Ambiente

Sem desculpas

Investigada em 24 ações, hidrelétrica em MT descumpre acordo e representantes faltam a audiência com índios

Foto: Reprodução/MPF

Indios Mundukurú durante protesto em Brasília no último ano.

Indios Mundukurú durante protesto em Brasília no último ano.

Índios da etnia Munduruku acusam o governo e as empresas donas das usinas Teles Pires e São Manoel, em   Mato Grosso, de impedirem a continuidade dos modos de vida tradicionais e de descumprirem leis ambientais. As hidrelétricas alegam cumprir as exigências do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), mas respondem a pelo menos 24 ações judiciais por irregularidades no licenciamento ambiental. Na última semana, representantes dos empreendimentos e da Fundação Nacional do Índio (Funai),descumpriram acordo firmado com o Ministério Público Federal (MPF) e não compareceram a audiência pública com os indígenas. 

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As hidrelétricas são erguidas entre os municípios de Paranaíta (MT) e Jacareacanga (PA), onde cerca de 150 índios desembarcaram para debater o assunto, na aldeia Missão Cururu. Mulheres, caciques, guerreiros, pajés, cantores e crianças se dividiram em dezenas de embarcações que partiram de vários pontos do território Munduruku, levando peixe e farinha para garantir a alimentação de todos durante a audiência. Na chegada souberam que a Funai não enviou representantes e as empresas, em vez de comparecerem, mandaram ofícios nos quais recusaram responsabilidade pelos danos.

As ausências, de acordo com o MPF foram recebidas com revolta. Foi informado ainda que os principais problemas jurídicos com os investimentos dizem respeito aos artigos 231 e 232 da Constituição brasileira e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que protegem direitos indígenas. Estes pontos seriam debatidos ao longo da audiência.
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A reunião foi marcada como parte do acordo assinado em julho deste ano pela Funai, MPF, empresas e indígenas que ocuparam os canteiros de obras da usina de São Manoel, uma das quatro barragens que o governo brasileiro constrói no rio Teles Pires, formador da bacia do Tapajós que nasce no norte do Mato Grosso e deságua no sudoeste do Pará.

O documento tem as assinaturas de um representante da usina de São Manoel, um representante da usina Teles Pires, do presidente da Funai, Franklimberg Freitas, e do representante do MPF, e previa o atendimento a várias reivindicações dos indígenas afetados pelas usinas, incluindo um pedido formal de desculpas das empresas e esclarecimentos sobre os impactos causados.
 
 Destruição de locais sagrados 
 
Os impactos discutidos na reunião na Missão Cururu não são apenas em nível ambiental, mas também em nível espiritual. Os indígenas Munduruku, Apiaká e Kayabi, atingidos pelas usinas no Teles Pires – um total de, até agora, quatro barragens – apontam violentas perturbações espirituais causadas pela destruição de locais sagrados que ficavam onde hoje se localizam as hidrelétricas. A usina Teles Pires destruiu a cachoeira das Sete Quedas, chamada em língua munduruku de Karobixexé, ou mãe dos peixes, e a usina de São Manoel fez desaparecer o morro dos Macacos, chamado em munduruku de Dekuka'a.
 
A destruição desses locais sagrados provoca, no entendimento dos indígenas afetados, uma desorganização no mundo dos espíritos que traz consequências trágicas para a vida nas aldeias. A situação foi agravada porque, antes da construção das usinas, urnas funerárias indígenas foram encontradas pela empresa de arqueologia responsável pelos estudos de impacto ambiental e retiradas do local em que estavam, no ano de 2012. Para os Munduruku, a retirada das urnas configurou um roubo. Desde então, os indígenas tentam reaver o patrimônio arqueológico que consideram subtraído.
 
As urnas retiradas da floresta só foram descobertas pelos próprios Munduruku em 2013, durante uma visita aos escritórios da empresa de arqueologia Documento, em Alta Floresta, no Mato Grosso, próximo aos canteiros de obras das usinas de São Manoel e Teles Pires. A empresa fazia então os estudos de impacto da usina Teles Pires e, ao encontrar as urnas em área que seria alagada pela usina, resgatou o material arqueológico.
 
Para os Munduruku, o que a usina chama de resgate foi a violação de um local sagrado que trouxe perturbações graves para seu modo de vida. A retirada das urnas gerou reações da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB). Uma das reivindicações dos indígenas é o estabelecimento de um local reservado para que as urnas fiquem fora das mãos de não-indígenas. Atualmente, as urnas funerárias estão em Alta Floresta, sob a guarda de um museu.
 
As empresas afirmam, nos ofícios enviados para justificar a ausência, que estão seguindo todos os regulamentos legais para a devolução das urnas, mas não mencionam a destruição dos locais sagrados. Em resposta, os Munduruku prepararam uma carta em que explicam a profundidade dos desgastes sofridos pela destruição dos lugares sagrados.

Carta dos Munduruku

Resposta da usina São Manoel

Resposta da usina Teles Pires
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