Neste mês de setembro, José Maria Bortoli, ou Zeca Bortoli, como é chamado no agro, plantará as primeiras mudas de videira em terras próprias da Vinícola Vinuta, marcando o retorno de uma família às suas raízes no Rio Grande do Sul.
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Após décadas construindo fortuna no agronegócio de Mato Grosso como cofundador do Grupo Bom Futuro, o empresário volta ao interior gaúcho para resgatar uma tradição familiar que remonta há 120 anos. Zeca, casado com a irmã dos Maggi Scheffer (Eraí, Elusmar e Fernando), se tornou sócio dos cunhados na construção de um dos maiores grupos do agro.
A história do vinho começou com Caterino Bortoli, bisavô de Zeca, que mantinha uma cantina em Lajeadinho, distrito de Veranópolis. Ali, onde hoje funciona a Vinícola Vinuta, quatro gerações da família Bortoli produziram vinho em pequena escala para consumo próprio e venda local.
“Tinha um parreiral desde aquela época, 120 anos atrás”, conta Zeca, recordando as histórias familiares transmitidas de pai para filho, em uma entrevista exclusiva à Forbes.
Na década de 1970, a Vinícola Aurora comprou a propriedade para estabelecer um ponto de recebimento de uvas dos cooperados da região. Naquele tempo, os produtores entregavam a colheita em carroça ou em pequenos tratores, percorrendo estradas de terra para chegar até a cooperativa em Bento Gonçalves. A antiga cantina da família foi demolida para dar lugar às instalações da Aurora, que funcionaram até os anos 2000, quando a empresa centralizou suas operações.
Em 2010, quando a Aurora decidiu vender a propriedade, Zeca não hesitou. Comprou de volta o terreno onde seu bisavô havia produzido vinho um século antes. Durante oito anos, a propriedade permaneceu desativada enquanto ele amadurecia a ideia de retomar a produção.
“Em 2018 resolvi fazer vinho”, relembra. Mas não qualquer vinho. A experiência acumulada em décadas no Cerrado mato-grossense havia moldado sua visão sobre qualidade e inovação. No Mato Grosso, Zeca aprendeu os conceitos de agricultura de precisão, análise de solo e manejo sustentável que revolucionaram a produção de soja, milho e algodão na região.
Quando tomou a decisão, a busca por um enólogo levou dois anos. Em 2020, encontrou Bruno Onsi, profissional jovem cuja filosofia de trabalho se alinhava com seus princípios. “Perguntei para o Bruno: o que precisa para fazer vinho bom no Sul? Ele respondeu: é muito simples, uva de qualidade e equipamento”, conta Zeca. A partir dali ele deu total liberdade para o enólogo comandar o processo.
Inovação no vinhedo
Filha de Zeca, uma das sucessoras da Bom Futuro e também fundadora do Farmun, instituto que organiza vivências em fazendas para o público externo ao agro, Aline Bortoli acompanhou de perto a transformação na mentalidade do pai. “Ele veio para o Mato Grosso e se distanciou da cultura da Serra Gaúcha, que era muito ligada a peso de uva, a produtividade no aspecto quantidade”, diz Aline. “Quando ele volta, percebe que a uva é o ingrediente mais barato de todo o processo do vinho”.
Aline, e também o irmão Rafael, é sócia da Natter, onde está a Vinuta com outras empresas da família Bortoli, além de fazer parte do FMA (Forbes Mulher Agro), think tank que nasceu em 2023 com cerca de 50 mulheres.
Segundo ela, essa mudança de perspectiva revolucionou a relação com os fornecedores. Enquanto as cooperativas tradicionais pagavam por peso, Zeca passou a remunerar pela qualidade da uva, oferecendo prêmios para produtores que mantivessem as uvas mais tempo nos parreirais, mesmo com perda de peso. “Os produtores ficavam assustados, pensando que ele não cumpriria o acordo de pagar mais por qualidade”, conta Aline.
Hoje, a Vinuta trabalha com três produtores fiéis: Edson e André, de Montebelo do Sul, e a família Names, de Bagé. Todos recebem à vista valores superiores ao mercado em troca de uvas de qualidade superior.
Terroir da fronteira
A experiência com uvas compradas levou a uma segunda etapa do projeto e seu deslocamento para onde há melhores condições para a viticultura no Rio Grande do Sul: a região da Campanha. “Considero a campanha gaúcha o melhor lugar do mundo para produzir uva para vinho fino”, afirma Zeca.
A Campanha Gaúcha é hoje uma das principais regiões vinícolas do Brasil, localizada na fronteira com o Uruguai. O relevo de coxilhas, o clima seco e os solos pedregosos formam um ambiente propício para a produção de vinhos finos, especialmente tintos de variedades como Cabernet Sauvignon, Merlot, Tannat e Tempranillo.
A região possui uma insolação intensa e amplitude térmica marcante, em que as uvas atingem maturação plena, resultando em vinhos estruturados e de guarda. Em 2020 a Campanha recebeu o selo de Indicação de Procedência (IP), o que marca sua identidade e diferenciação no cenário nacional e internacional.
Por isso, Zeca escolheu duas regiões para os próprios parreirais: 18 hectares em Candiota, na fronteira com o Uruguai, e 2,5 hectares em São Francisco de Paula, próximo a Canela. Com o plantio que começa neste mês de setembro, a estimativa da primeira colheita é para 2028 e os primeiros vinhos chegarão ao mercado entre 2030 e 2031.
Segundo Aline, o projeto aplicará toda a tecnologia aprendida no Cerrado. Serão feitas 80 amostras de solo nos 20 hectares, análise que permitirá manejo de precisão para cada quadra do vinhedo. “O que a gente faz nas lavouras de Mato Grosso existe quase zero nos vinhedos do Sul”, diz Aline, referindo-se aos estudos de solo e agricultura regenerativa, uma especialidade do irmão Rafael.
Mas Zeca pretende ir além. A integração com outros negócios do grupo demonstra a visão sistêmica do executivo. A Ambus, empresa do grupo que produz fertilizantes a partir de vísceras de peixe do frigorífico da família, fornecerá insumos orgânicos para os futuros vinhedos. “O problema era: fazer o que com as vísceras? Aí inventei essa fábrica de fertilizante”, diz ele.
O processo transforma os resíduos do frigorífico em aminoácidos, criando produtos para agricultura orgânica. Uma solução que resolve problemas ambientais e gera insumos para a própria produção vitícola. E mais: em São Francisco de Paula, Zeca já plantou 30 hectares de oliveiras, que começarão a produzir em quatro ou cinco anos. A ideia é instalar uma mini fábrica de azeite, integrando mais um produto premium ao portfólio familiar.
Produção atual da Vinuta
Atualmente, a Vinuta possui 150 mil garrafas em estoque, produzidas com uvas compradas desde 2020. A primeira safra, de 2021, resultou em 4.200 garrafas de Merlot. O portfólio inclui também Marselan, Pinot Noir e Malbec, todos vinhos tintos que refletem a aposta da família em competir no segmento premium.
“Nossa aposta não é o tradicional espumante, mas conseguir fazer um bom tinto”, afirma Aline. A estratégia comercial seguirá o conceito de lotes limitados, com foco em mercados que valorizam a história e qualidade do produto.
A filosofia da Vinuta distancia-se do modelo industrial. “Do mesmo jeito que a arte é rara, o conceito é: venha no ateliê”, explica Aline. A propriedade em Lajeadinho abriga também um museu de arte, reforçando a identidade de produto artesanal e exclusivo. O lançamento comercial está previsto para 2026, com apresentação na própria vinícola. A família planeja começar pelas redes de relacionamento, valorizando lugares que conhecem sua história antes de expandir para novos mercados.
Pai e filha dizem quase em coro que o projeto do vinho vai além do negócio e a construção de uma comunidade de produtores é um dos pilares. Durante os eventos de inauguração da vinícola, no ano passado, toda a comunidade de Lajeadinho foi envolvida. O primeiro evento resgatou a história da família Bortoli, o segundo apresentou a Vinuta para amigos próximos e o terceiro foi uma festa aberta para toda a localidade. “É como trazer para o Sul uma renovação no jeito de fazer vinho”, diz Aline. “Sair para respirar e voltar com um fôlego novo”.
Para Zeca, que sempre se definiu como “inovador e caprichoso”, a Vinuta representa mais que um investimento. Após construir um império no agronegócio, ele encontrou seu propósito: honrar a memória dos ancestrais e transformar uma pequena comunidade do interior gaúcho. “Não é retorno financeiro, é propósito”, afirma. “Já fiz tanto dinheiro como negócio, agora quero fazer por prazer”.