Por trás da crise sem precedentes, de uma dívida estimada em R$ 1,7 bilhão e da disputa pela posse e operação de uma indústria de Cuiabá (MT) estão pessoas. Elas não são os empresários e personagens da disputa pela esmagadora de soja arrendada pelo Grupo Safras, cuja posse é da Carbon Participações, massa falida da Olvepar.
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Também não são os novos atores da unidade que está em processo de negociação com a Paranapec, uma microempresa registrada em uma fazenda a quase 400 quilômetros da fábrica, e nem do fundo AGR I, constituído pela AM Agro e que assumiu a gestão de 60% do Grupo Safras, em julho. Os 40% restantes seguem nas mãos dos antigos donos, os empresários Pedro Moraes e Dilceu Rossato.
Até agora sem voz e quase alheio às negociações entre tantas partes está um grupo de quase 200 funcionários da esmagadora de soja administrada até junho pelo Grupo Safras. Todos foram demitidos sem receber salários do mês, parte do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS, multas rescisórias e vale alimentação.
À época, a Carbon Participações conseguiu uma vitória na Justiça e retomou a posse da fábrica arrendada anteriormente à Safras Agroindustrial, do Grupo Safras.
A AgFeed conversou com ex-funcionários da unidade e teve acesso a cópias de mensagens de WhatsApp que mostram o drama de alguns, a falta de informações da companhia e recados de Pedro Moraes recebidos com críticas e tratados como deboche do ex-patrão pelos empregados
Apesar de a crise do Grupo Safras ter começado no ano passado, as operações na unidade, com a prestação de serviços à Engelhart, trading do banco BTG Pactual, seguiram normalmente até maio. Os salários eram pagos em dia e o vale-alimentação mensal tinha sido reajustado de R$ 600 para R$ 720.
O primeiro sinal de que a crise chegou à linha de produção foi justamente no penúltimo dia daquele mês. Na sexta-feira, dia 30 de maio, os funcionários foram dispensados às 16 horas, com o argumento de que haveria uma falta de energia por causa de uma manutenção na rede.
O apagão de energia e de informações seguiu pela semana seguinte, até que uma mensagem foi enviada em 6 de junho no grupo de WhatsApp dos funcionários.
“Informamos que, por força judicial, não será possível continuarmos com o trabalho presencial na fábrica. Por isso, orientamos que todos fiquem em casa aguardando novas orientações. Estamos empenhando todos os esforços para normalizar a situação o quanto antes. Além disso, reiteramos o nosso compromisso com a seriedade, responsabilidade e transparência, pilares que sempre pautaram o nosso trabalho”, informou a companhia.
No dia 26 de junho a folha de pagamento daquele mês foi encerrada com os funcionários em casa, mas os salários não foram pagos no dia 30. Todos foram demitidos e informados que deveriam fazer o acerto para receberem o seguro desemprego.
No entanto, além dos salários e benefícios do mês, os trabalhadores não receberam multas rescisórias e descobriram que a companhia deixou de recolher quatro meses de FGTS.
Advogada no processo trabalhista de 168 funcionários da fábrica de Cuiabá e nove outros em Curitiba (PR), onde o Grupo Safras ainda manteve escritório, Flávia Fernandes estima que a companhia deva R$ 2,5 milhões em salários e benefícios, fora possíveis multas por danos morais.
A primeira audiência de conciliação estava prevista para o dia 25 de julho, mas foi reagendada para 28 de agosto.
Em meio ao impasse, ex-funcionários relataram que estão tendo de fazer bicos. Uma engenheira de alimentos que atuava no controle de qualidade contou ao AgFeed que está trabalhando de secretária e ajudando ex-colegas a encontrarem diárias de trabalho.
Outro ex-empregado relatou estar fazendo bicos para comprar leite para os filhos.
Mas o que revoltou mesmo os trabalhadores foi uma série de mensagens enviadas no último sábado, 26 de julho, por Pedro Moraes.
“Ninguém sai de casa com a intenção de bater o carro! Ninguém abre um negócio com a intenção de dar errado, tenham mais um pouco de calma, confiem em Deus! Que ele nunca falha!”, escreveu o empresário no mesmo grupo de WhatsApp da empresa, após mais de um mês de silêncio.
A primeira de uma série de mensagens causou espanto de um ex- funcionário, que reagiu com um “gente, é o Pedro Moraes” e trouxe as primeiras críticas de outro que replicou: “Poderiam receber a citação da Justiça do Trabalho”, em relação ao processo.
Moraes seguiu apelando ao poder divino e aconselhou: “Vocês são profissionais renomados, não se apequenem falando de coisas que não são de Deus! As coisas vão se ajeitar, acreditem”.
Em seguida, o empresário pede um voto de confiança dos ex-funcionários e informa que estaria nos próximos dias em Cuiabá e que o número do seu celular nunca tinha mudado.
“Me chamem um a um. E olha que vou ficar feliz se vocês vir (sic) com a imprensa. É meu sonho!”, escreveu. “Com todo respeito ao senhor. Falando de DEUS e vindo com sarcasmo… (Deboche)”, rebateu um ex-funcionário. “Situação complexa essa negociação”, escreveu novamente Moraes.
Informado por outro ex-funcionários de que muitos estavam “passando apertado” e cobrado sobre um prazo para resolver a situação, Pedro Moraes prosseguiu: “Tenham calma, a princípio procurem um plano B”, relatou.
“Todos estamos procurando. O senhor acha que estamos comendo como? Com vale-alimentação fantasma?”, rebateu um membro do grupo.
“Vocês vão receber, nem que seja a última coisa que nós vamos fazer em nossa vida, é questão de honra. Tenham calma. Somos os mesmos. Só que estamos devendo e não estamos negando”.
Após a continuidade das críticas e de um dos ex-funcionários informar que está se desfazendo de um carro e outros bens para pagar R$ 50 mil em uma cirurgia de risco da esposa, já que não tinham mais o plano de saúde, Pedro Moraes parou de se manifestar no grupo de WhatsApp.
Apesar de Moraes dizer que ficaria feliz em falar com a imprensa, o AgFeed enviou mensagens desde a quarta-feira, 30 de julho, para ele no mesmo número de celular usado no grupo, para que pudesse se posicionar sobre a companhia e as demissões, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
O fundo AGR I, constituído pela AM Agro, que assumiu a gestão de 60% do Grupo Safras após o fechamento da fábrica de Cuiabá, mas que relatou o desejo de voltar a operá-la, informou que não se manifesta sobre o assunto.