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Sábado, 27 de abril de 2024

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Atravessando gerações

Mulheres do agro: elas aprenderam sobre amor pelo campo com as mães e agora comandam lavouras em MT

Foto: Arquivo pessoal

Mulheres do agro: elas aprenderam sobre amor pelo campo com as mães e agora comandam lavouras em MT
Apesar de atuarem em lavouras de regiões diferentes de Mato Grosso, Michele Guizini, de 33 anos, e Karine Souza, de 42, dividem o amor pelo campo, que aprenderam ainda na infância com as mães e avós. Atualmente, Karine dá continuidade ao negócio da família, enquanto Michele pilota máquinas agrícolas gigantescas, plantando e colhendo grãos na fazenda que comanda ao lado da sócia. Ambas representam as “mulheres do agro” que buscam inovar e modernizar "da porteira para dentro". 

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Segundo dados do Censo Agropecuário divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, quase 1 milhão de mulheres estão no agronegócio. Além disso, os dados mostram que 73% dos trabalhadores dessas propriedades possuem laços familiares com os produtores rurais, evidenciando a sucessão familiar nos negócios. 

Na semana em que é celebrado o Dia Internacional da Mulher, o Olhar Direto conta a história de duas mulheres do agro de Mato Grosso, suas experiências e dificuldades na área. Há 16 anos, Karine, que é formada em Ciências Biológicas pela UFMT, se viu diante de duas opções: contratar alguém desconhecido ou "entrar porteira para dentro" e comandar a fazenda da família em Ipiranga do Norte (a 470 km de Cuiabá).

"Ou eu contratava alguém de fora ou entrava para dentro da porteira para ajudar minha família. Foi isso que aconteceu. O que me despertou bastante desse interesse foram as entidades do agro, que treinam e capacitam as pessoas para entrar para dentro da porteira". 

Além das funções que desempenha na propriedade da família, que vão desde o administrativo a ajudar nas colheitas e lidar com a gestão de pessoal, Karine é presidente do Sindicato Rural de Ipiranga do Norte e tem três filhos: dois gêmeos de 15 anos e uma menina de sete. 


Michele na colheita de grãos da fazenda que comanda com a sócia em Querência. (Foto: Arquivo pessoal)

Apesar da pouca idade, a filha mais nova já externa o desejo de ser agricultora como a mãe. Do alto da colheitadeira, a menina observa as máquinas trabalharem na lavoura enquanto passeia com o pai na propriedade rural de 1,2 mil hectares, onde fazem plantio de soja e milho. O plano é preparar os filhos para que eles deem continuidade ao negócio familiar. 

“Logos os meninos completam 16 anos, vamos emancipar eles. Já estão na lavoura, são quase homens formados. Vamos emancipá-los e fazer a inscrição de produtor rural para eles. Claro que vão ter opção de cursar ensino superior. Ainda estão no ensino médio, mas já conhecem bastante a lavoura. Eles até ajudam na colheita, estão sempre na lavoura e acompanhando os estudos”.

Michele e as máquinas gigantes

A quase 800 km da família de Karen, Michele constrói o próprio legado em Querência (a 764 km de Cuiabá). A engenheira agrônoma não tem filhos, mas deseja repassar os conhecimentos que adquiriu para os futuros herdeiros.

“Penso muito nisso, quero criar meu filho ou filha em contato com as raízes do agro, para que dê valor ao campo e respeite os animais. Assim como eu tive essa ligação. Sou de família de pecuaristas em Mato Grosso. Na época que morava na fazenda ia para escola em ônibus rural”. 

Desde criança, Michele já sabia que queria ter o próprio futuro no agronegócio. Com 10 anos, ela pilotou um trator MF 290 (Massey Ferguson) ao lado do tio. Ela lembra que, a partir daquele momento, ficou fascinada pelas máquinas gigantescas que modernizaram o plantio e a colheita nas lavouras de grãos. 

“O irmão do meu pai que me ensinou. Esse trator está até hoje na fazenda. A partir daí começou meu fascínio por máquinas, sempre gostei muito de animais e da agricultura. Fiz faculdade na Universidade de Cuiabá (Unic), me formei em 2018. Depois de três meses comecei a trabalhar em uma multinacional, a Bayer”. 

Filha mais nova de Karine já fala sobre vontade de seguir os passos da mãe na agricultura. (Foto: Arquivo pessoal)

Ainda na faculdade, Michele fez um curso de operadora de máquinas agrícolas do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Durante dois meses ela aprendeu sobre as gigantes que hoje pilota com excelência na própria lavoura. Michele explica que sabia que, mais cedo ou mais tarde, o curso lhe seria útil. 

“De fato agregou. Hoje planto com uma plantadeira de 15 linhas em Querência. Então, eu Michele, senti essa necessidade de aprimorar meus conhecimentos, porque é algo que ninguém rouba da gente. Sempre procurei fazer bastante cursos ligados ao mundo do agro”. 

A engenheira agrônoma já sabia que estava entrando em uma área com maior presença de homens, mas não se intimidou. Ela conta que durante dois anos trabalhou na Bayer e era a única mulher da equipe de 15 homens. 

“Acho que conheço só uma mulher que pilota máquinas agrícolas, que é minha prima e mora aqui na fazenda. Minha parceira de negócios também. Muitas mulheres estão, sim, ligadas ao agro, mas ainda é uma pequena parcela que pilota essas máquinas, porque elas tem mais tecnologia que um carro de Fórmula 1”. 

Quando começou a trabalhar na área, Michele tinha costume de compartilhar a rotina de trabalho na multinacional. Ela costumava viajar sozinha pelas estradas e dirigir até 600 km por dia na região de Primavera do Leste. Por conta dos perrengues que enfrentava na estrada, ficou conhecida como a mulher dos “agro perrengues”.

Sempre bem-humorada, ela dividia as histórias com os seguidores que não demoraram a se identificar com a agricultora. O jeito humilde e engraçado de ver a vida fez com que o engajamento de Michele “explodisse” nas redes sociais. No Instagram, mais de 200 mil pessoas acompanham o conteúdo produzido por ela. 

Em 2021, ainda na pandemia de covid-19, ela decidiu criar um perfil no TikTok. Os números da agricultora impressionam: mais de 1,3  milhões de seguidores e mais de 24 milhões de curtidas nos vídeos. Ela conta que, entre leigos e apaixonados pelo agro, o engajamento segue crescendo ainda mais dia após dia. 

Atualmente, Michele é embaixadora da New Holland, maior marca agrícola do mercado, e da Agrishow, que acontece em maio, em Ribeirão Preto (SP). Além disso, ela também produz conteúdo para grandes marcas do agro. 

“Recebo muitas mensagens de meninas que estão na faculdade e falam que se inspiram em mim, que falam que querem ser como eu quando se formarem. Pessoas que são leigas e não entendem nada de agricultura dizem que aprendem muito com meu conteúdo. Isso é muito graficamente, porque meu objetivo nas redes sociais é esse: mostrar para o mundo o que é ser mulher no agro”. 

Inspiração para outras mulheres 

Quando ainda morava no interior do Paraná, onde nasceu e morou durante 14 anos com os pais, Karine teve a mãe com uma de suas inspirações. No entanto, como naquela época ainda não haviam alternativas modernas para o trabalho nas lavouras, ela foi orientada pela mãe a focar nos estudos. Agora, ela também é uma fonte de inspiração para novas mulheres do agro. 

“O serviço era braçal mesmo, carpir com a mão. Aquilo para minha mãe era um trabalho muito árduo, dizia que tinha que estudar para não ficar como ela na lavoura. Estudei e voltei [para a lavoura], só que aqui [em Mato Grosso] é uma outra realidade. A evolução surgiu, temos as máquinas, não precisa mais tanto serviço braçal na lavoura”. 

Ela se formou em Ciências Biológicas e se mudou para Mato Grosso para trabalhar como professora, quando viu a vida ser atravessada mais uma vez pelo mundo do agronegócio quando conheceu o marido, João Batista de Souza, de 37 anos. 


Michele viralizou nas redes sociais mostrando rotina da mulher do agro. (Foto: Arquivo pessoal)

“O pai dele faleceu e ele teve que assumir o negócio da família, tem mais três irmãs e a mãe. Ele que ficou com a parte de administração. Estava fora e vim junto com ele para dentro da propriedade. Optou por ficar na lavoura desde os 15 anos, aprendeu tudo com o pai, desenvolveu boas habilidades mesmo sem ter cursado superior na área de agricultura. É um excelente produtor rural”. 

Com os pés na lavoura, ela aprendeu sobre as especificidades do plantio de soja e milho, que explica com facilidade aos leigos do assunto. Por conta das inúmeras demandas que acumula enquanto agricultora, mãe, esposa, dona de casa e presidente do sindicato, Karine tem uma rotina agitada.

"Época de maior intensidade de trabalho é fevereiro/janeiro, porque é onde duas culturas de milho, plantio de milho e colheita de soja. Movimentação intensa porque tem que tirar o grão da lavoura, rapidamente já semear o milho e esperar a chuva cair, o Sol sair na medida certa... Acho a época mais intensa na propriedade". 

Propriedades sustentáveis 

Karine e Michele explicam que optam por iniciativas sustentáveis nas propriedades rurais que comandam. Em Ipiranga do Norte, a agricultora prevê a ampliação do uso das placas solares, assim como Michele, que além da energia sustentável também produz os alimentos que consome e usa produtos biológicos em parte da lavoura. 

“Produtos biológicos são compostos por cepas de fungos que trabalham em prol da semente e não têm nenhum aditivo químico na composição. Além da sustentabilidade falando da silagem, porque tudo que consumimos, plantamos para dar para os animais da propriedade. Recentemente adotamos a energia solar, que é muito importante”, conta Michele. 

Na fazenda de Querência, a agricultora e a sócia colhem até 600 hectares de soja e, neste ano, chegaram a 400 hectares de milho. Em uma das fotos favoritas, Michele aparece em cima do caminhão carregado de grãos, com largo sorriso no rosto e sensação de dever cumprido mesmo em meio a correria do plantio e da colheita. 

“A colheita da soja começa em janeiro e fevereiro, por conta do excesso de chuva aqui no Vale do Araguaia entramos em março e ainda não terminamos de colher. A lavoura é uma indústria a céu aberto, contamos muito com a boa vontade do clima, sem um clima estável e umidade adequada não é possível entrar para colher. E isso atrapalha o plantio do milho safrinha, que vem logo na sequência”. 
 

Para Michele, a atuação das mulheres no agronegócio sempre existiu, mas foi invisibilizada durante alguns anos. Ela lembra das tias e da mãe que colhiam algodão com as próprias mãos na roça. Como muitas vezes sequer tinham salário, faziam o trabalho em prol da família, mas já eram mulheres do agro. 

"Estavam nas plantações de algodão, café ou laranja. Elas iam porque o pai mandava ir, porque tinha que vender e colher. Era assim que elas estavam ligadas ao agro. Minha vó ficava em casa fazendo as marmitas para levar para a roça e, quando estava na roça, ajudava a cortar cana ou tirar leite”. 

Mulheres que fortalecem outras mulheres 

Formada em Agronomia pela UFMT, Melissa Magalhães Freitas, de 33 anos, desenvolve trabalho importante de mentoria para capacitar outras mulheres do agro. Da quarta geração de pecuaristas, Melissa também estudou para desenvolver experiência com as lavouras de grãos de Mato Grosso e, hoje, oferece mentoria para outras mulheres encontrarem os próprios caminhos no agronegócio. 

“Cada vez mais as mulheres têm desempenhado com muita excelência o papel delas, principalmente na parte de gestão, tanto na gestão de pessoas quanto na financeira. Acredito que isso agrega muito ao agronegócio. A mulher é muito minuciosa e detalhista, além de olhar a propriedade como um todo, em relação aos negócios”. 

Atualmente, Melissa comanda o negócio da família em Jangada, na Baixada Cuiabana. Assim como Karine e Michele, se apaixonou pelo campo quando criança e, mesmo menina, teve certeza de que seria uma mulher do agro quando crescesse. 

Karine sempre viu a mãe trabalhar na lavoura que tinham no interior do Paraná. (Foto: Arquivo pessoal)

“Tenho trabalhado em propriedades rurais há 10 anos, conversando com muitas mulheres. Através dos resultados e reconhecimentos que tenho na minha profissão, isso inspira outras mulheres a verem que elas podem e conseguem também. Se hoje eu cheguei no ponto de dar mentorias, significa que tenho influenciado outras mulheres a aprender através do que já fiz”. 

Para Melissa, o amor pelo campo é passado de geração para geração, assim como foi com ela que hoje tem autonomia para comandar o negócio da família. De acordo com ela, a sucessão familiar também é um dos recursos de sustentabilidade de uma propriedade rural. 

“Para os pais e mães do agro, que vocês tenham sempre claro em mente verbalizar coisas boas para seus filhos. O quanto vocês amam a vida no campo e o trabalho, para que eles valorizem e queiram permanecer no negócio. Tragam os filhos para junto desde a infância, mostrando a importância do trabalho que vocês fazem. Ensinando com muito amor como funcionam as coisas, para que eles sigam seus passos e se tornem sucessores”. 
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