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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Presidente da Famato revela ter horta orgânica e concorda que ideal seria não usar agrotóxicos

Foto: Rogério Florentino Pereira/Olhar Direto

Presidente da Famato revela ter horta orgânica e concorda que ideal seria não usar agrotóxicos
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Rui Prado, possui uma horta orgânica em casa, da onde tira algum alimento para consumo pessoal. Ou quase orgânica, já que o fumo usado por ele para a calda, um herbicida natural, não é orgânico, mas ele admite: "Bom seria só essa produção, mas não temos tecnologia para produzir 200 milhões de toneladas de alimento com agricultura orgânica".

A declaração foi dada durante audiência pública realizada na segunda-feira (22), na Assembleia Legislativa, para discutir o uso de agrotóxicos em Mato Grosso. O Estado é o maior usuário mundial de defensivos agrícolas - venenos para diferentes pragas que atingem a população - e pesquisas da UFMT e Fiocruz apontam efeitos colaterais dessa prática, como casos de câncer, má formação e danos ao meio ambiente.

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Por sua vez, Rui Prado comentou que é necessário avançar cada vez mais com as tecnologias, para então ser possível diminuir o uso dos agrotóxicos utilizados. Enquanto isso, ele defende ser necessário continuar a aplicação dos defensivos agrícolas. "Queremos uma tecnologia para fazer menos uso de agrotóxicos, mas essa tecnologia não está pronta ainda. (...) E o fumo que uso para o caldo de fumo vem de uma plantação, provavelmente do sul, com alto uso de agrotóxicos."



O deputado Wilson Santos (PSDB), um pequeno produtor de limão orgânico e autor do pedido pela audiência pública, mostrou-se surpreso com as declarações de Prado. “Nunca vi advogado melhor da agricultura orgânica do que o Rui Prado. E quanto ao fumo que você compra, eu te garanto que eu uso um totalmente orgânico”, concluiu.

Os problemas

O Brasil usa 14 agrotóxicos de várias partes do mundo, como Estados Unidos, Japão e União Europeia. Mato Grosso é o único estado brasileiro a permitir a pulverização de defensivos agrícolas a 90 metros de distância de construções com o uso de trator, sendo a distância mínima dos outros é 300 metros. E mesmo assim é fácil encontrar plantações a menos de 15 metros de escolas em vilas agrícolas no interior de MT.

Esses são alguns dos problemas elencados mais rapidamente por Leomar Daroncho, do Ministério Público do Trabalho, Franciléia de Castro, da Fundação Oswaldo Cruz e o professor da UFMT Wanderlei Pignati, médico e doutor em Toxicologia que coordena pesquisas sobre agrotóxicos em Mato Grosso. Pra embasar a discussão, só o professor da UFMT ofereceu 26 referências bibliográficas sobre o assunto, todos os trabalhos publicados em revistas nacionais e internacionais.


(Leomar e Pignati)

Leomar lembrou como Charles Darwin foi rechaçado na época da publicação do livro Origem das Espécies, tendo seu valor cientifico reconhecido somente mais tarde, e comparou às criticas feitas aos trabalhos que alertam para os perigos dos agrotóxicos. O representante do MPT lembrou que a publicação dos EUA Neurodevelopmental Disorder And Prenatal já alertou para o risco de nascimento de crianças com autismo ser 60% maior em áreas até 1,6 quilômetros do uso de agrotóxicos.

Já a mestranda Franciléia Paula de Castro, técnica da Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional e representante da Fiocruz, alertou para a necessidade do aplicação do Programa Nacional de Redução do Uso do Agrotóxico (Pronara), elaborado pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), a qual é formada paritariamente por membros do governo e da sociedade civil organizada.

São seis eixos principais. O primeiro se refere ao “Registro”, no qual visa garantir a participação da sociedade na avaliação dos agrotóxicos, facilitar o acesso as informações técnicas, a reavaliação dos defensivos banidos em outros países, e outras ações. O segundo trata do “Controle e Responsabilização da Cadeia Produtiva”, no qual estão listadas medidas como apoio a pesquisas sobre o impacto dos agrotóxicos no meio ambiente, aplicação do princípio poluidor pagador, proibição da pulverização aérea e monitoramento da saúde.

Outros eixos tratam de Medidas Econômicas e Financeiras, Desenvolvimento de Alternativas, Informação, Participação e Controle Social e, o último, Formação e Capacitação. Para mais detalhes sobre todos os eixos do Pronara, clique AQUI e faça download da cartilha.

Água contaminada

O Glifosato foi recentemente considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como 2A – possivelmente cancerígeno a seres humanos. Isso significa que ele causa câncer em pelo menos outras quatro espécies de mamíferos. No entanto, ele continua sendo usado livremente no Brasil.

Este é um agrotóxico indiretamente proibido na Alemanha e França – lá os transgênicos são proibidos e esse defensivo agrícola não é seletivo, portanto, se a cultura não for modificada para ser resistente a ele, morre junto às ervas daninhas. Então, nada produzido com Glifosato pode ser vendido produzido lá.


(Em vermelho, municípios com água acima do valor máximo permitido de agrotóxicos)

Esse alerta foi feito pelo professor doutor Wanderlei Pignati. Ele chefia uma equipe com mais 12 pesquisadores, conta com o apoio dos técnicos dos laboratórios da UFMT e com a colaboração de professores de escolas de Lucas do Rio Verde e Campos do Rio Verde, os quais investigam os efeitos dos agrotóxicos nos polos produtores de Mato Grosso.

Entre os vários resultados, como descobrir que cidades com maiores produções de grãos – e mais uso de agrotóxicos – a incidência de câncer ser até três vezes maior daquela em municípios sem produção agrícola em larga escala, um dos pontos a chamar a atenção é o fato das águas do Estado estarem contaminadas.

A informação é confirmada pelo Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, volume 46, número 4 de 2015. Nele, já são apontados nove municípios com mais agrotóxicos do que o permitido na água. Todos os analisados possuíam alguma quantidade de agrotóxicos na água.

“Vale lembrar que desde 2011 o Ministério da Saúde permite a presença de 15 metais pesados, 27 agrotóxicos e 7 desinfetantes na águia que bebemos. Em 1977 eram permitidos 12 agrotóxicos e nenhum metal pesados. Estamos sendo cada vez mais permissivos”, exclamou o professor.

UFMT e Fiocruz em xeque

Apesar de todas as pesquisas publicadas em revistas científicas internacionais e nacionais, o ex-ministro Xico Graziano e o professor e medico toxicologista Ângelo Zanaga Trapé, da Unicamp, questionaram a falta de indicadores e dados científicos, apesar de Pignati ter trabalhos publicados e revisados na revista cientifica Lancet, uma das mais importantes publicações da área médica do mundo, tendo 192 anos.

Para Trapé e Graziano, existe muito exagero na situação e faltam pesquisas sobre o assunto, apesar do trabalho da UFMT e da Fiocruz. Para ambos, os agrotóxicos estão longe de se tornar uma ameaça real a saúde pública.

"A situação parece um pouco exagerada. Ouvi em Sorriso que todas as águas de Mato Grosso estão contaminadas. Cadê a pesquisa, cadê o laboratório Ficar só no discurso é fácil. E eu nem vou comentar a questão ideológica que tem por trás disso", argumentou, durante sua palestra.

Já o pesquisador Ângelo Zanata, coordenador da Área de Saúde Ambiental do Departamento de Saúde Pública da Unicamp, focou em questionar planilhas do Sinitox, Sistema Nacional de Informações Toxico Farmacológicas, da Fiocruz, bem como trabalhar a questão da dosagem dos produtos. Segundo ele, os agrotóxicos são tecnologias perigosas que precisam ser bem utilizadas, mas que isso já vem acontecendo.


(Trapé, enquanto ouvia ataques aos agrotóxicos)

"Os automotivos são a tecnologia que mais matam e não vejo ninguém falando em proibi-los. (...) A dosagem é fundamental. E a exposição é muito importante também. Se a pessoa não for exposta tempo suficiente, o agrotóxico se torna praticamente inofensivo a saúde pública", disse, enquanto mostrava slides com os dizeres "Risco = Toxidades x Exposição" e apresentar os números da sua experiência clínica com a saúde de agricultores.

A atitude dos dois levou a um expectador, o pesquisador Jackson Barbosa, do Paraná, a usar a palavra para pedir uma atitude da UFMT e da Fiocruz em nível de evitar ataques a credibilidade da instituição. "Eles estão desdenhando das duas instituições. Em toda discussão pública é a mesma coisa. Isso está ficando feio", asseverou.
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