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Segunda-feira, 29 de abril de 2024

Notícias | Economia

No Oeste do Paraná, preço da soja é fator que enriquece e empobrece

Foi mais ou menos quando o preço da saca de soja rompeu pela primeira vez na história a barreira dos R$ 55, na segunda quinzena de junho, que os moradores de Cascavel, no Oeste do Paraná, começaram a se dedicar com mais afinco à arte da adivinhação. Hoje é quase impossível encontrar por lá quem não tenha um palpite firme sobre o preço do grão. Há aqueles que dizem que a saca vai passar dos R$ 100, os que garantem que ela volta para a casa dos R$ 40 em poucas semanas e há ainda os que apresentam diferentes e contraditórios palpites, de acordo com complexos cenários climáticos e geopolíticos.

Tamanho interesse tem óbvias razões econômicas. Cascavel e muitas das cidades dessa pujante região do Paraná vivem quase que exclusivamente da soja. Por meio dela, movimentaram algo como R$ 50 bilhões no ano passado seja plantando o grão, seja usando-o como componente essencial para engordar os cerca de 440 milhões de frangos que foram abatidos por ali em 2011. Até o início desse ano, produtores e consumidores de soja viviam uma espécie de equilíbrio lucrativo. Mas com a explosão dos preços, desde que ficou claro que a quebra da safra americana seria recorde por conta da maior seca a atingir o país nos últimos 50 anos, tudo mudou em Cascavel. Agora, a soja que enriquece parte da população também está levando uma parcela importante do Oeste do Paraná à uma crise que era desconhecida para a região.

“É uma situação absolutamente inédita aqui, nós nunca vimos isso antes e não sabemos exatamente o que vai acontecer”, diz o secretário de Agricultura de Cascavel, João Batista Jr. Enquanto comemora os preços recordes com que os produtores de grãos de seu município venderam a safra do ano passado, João Batista começa a se preocupar seriamente com os milhares de avicultores da região que dependem diretamente de uma série de pequenas e médias agroindústrias que estão à beira da bancarrota. “É preocupante. Cerca de 70% do custo de produção do frango é soja e milho e já tem muito produtor que simplesmente parou de trabalhar porque está há mais de seis meses sem receber das empresas que lhes compram as aves”, diz Batista Jr. “Por outro lado, nunca os agricultores daqui ganharam tanto”.

A dicotomia econômica de Cascavel é o exemplo mais emblemático de como a quebra da safra americana está impactando o Brasil. Essa região de vastos campos próxima à fronteira do Paraguai concentra como em nenhuma parte do País os efeitos positivos e os negativos da escassez de grãos que acomete o mundo nesse momento. É onde as duas conflitantes realidades se encontram.

Ao Norte dali, do Mato Grosso do Sul para cima, o preço recorde da commodity é sinônimo de abundância. Em Sinop, no Mato Grosso, por exemplo, vende-se tanta caminhonete que nas concessionárias da Toyota o prazo mínimo de espera para se comprar uma Hilux cabine simples é de no mínimo 120 dias.
Ao Sul, em direção à fronteira com o Uruguai, onde estão mais de 60% das 13 milhões de toneladas de frango que o Brasil produziu no ano passado, o cenário é de desolação. Em alguns casos – isolados, é verdade – avicultores decidiram sacrificar a produção ao perceber que os frangos estavam se canibalizando por falta de ração. Famintos, passaram a comer uns ao outros.

Leandro Schimdt, de 36 anos, decidiu não esperar para chegar a esse ponto. Numa terça-feira no fim de agosto entregou os pontos. Pela primeira vez em mais de três décadas o aviário construído por seu pai estava sendo preparado para ser fechado. Depois de entregar quase 60 mil frangos para uma agroindústria da região e não receber, Leandro decidiu que era hora de abandonar a tradição familiar e buscar outra coisa para fazer. “Vou para a lavoura fazer bico, aqui não dá mais”, diz. Jogador de futebol frustrado, o avicultor pretende ajudar no plantio da mesma soja que faz sua família – a mulher e dois filhos – depender da aposentadoria de um salário mínimo de seu pai para sobreviver. “Só fiquei longe do aviário quando fui tentar a sorte no Caxias do Sul, por dois anos”, diz.

Leandro faz parte dos cerca de 55 mil produtores de frango que atuam no Oeste do Paraná. Quase todos eles operam num sistema conhecido como integração, a base da cadeia de produção aviária brasileira. Ele funciona de forma relativamente simples, porém quase sempre controversa. Em uma ponta da cadeia ficam os pequenos avicultores, responsáveis pelos investimentos na infraestrutura física para a criação dos frangos. Isso envolve a construção do galpão que irá alojar as aves, a compra dos equipamentos que automatizarão a alimentação e os controles de temperatura e umidade. Para criar um espaço que abrigue cerca de 15 mil frangos a cada dois meses, são precisos investimentos da ordem de R$ 300 mil, em média. Cabe ao produtor também arcar com os custos fixos de eletricidade, água e mão de obra, que giram em torno de R$ 5,5 mil para cada ciclo de produção de dois meses.

Na outra ponta está a agroindústria. Cabe a ela fornecer os pintos, a ração e a logística de transporte dos animais entre as fazendas e o frigorífico. Nesse processo, o custo mais alto é o da ração, que responde por cerca de 70% do valor gasto para transformar um pintinho em um frango de mais de três quilos. “É aí que entra o problema”, diz Luiz Ari Bernartt, presidente da Associação dos Avicultores do Oeste do Paraná. “O farelo de soja, o componente mais importante da ração, subiu mais de 100% em menos de seis meses e o milho, que responde por quase 60% da alimentação, outros 50%. As empresas que não tinham fôlego financeiro simplesmente não estão conseguindo arcar com o aumento desse custo e o produtor está sem receber”, afirma.

O problema ainda se agrava se for levada em conta a quebra da safra de milho nos Estados Unidos, que deve superar as 100 toneladas. O Brasil acabou de colher uma boa safra de milho de inverno, mas com os preços avançando, muitas empresas não estão obtendo crédito para adquirir o produto, ainda farto no Centro-Oeste brasileiro.
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