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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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De tão frequentes e variadas, medidas na área econômica começam a confundir o empresariado

É da gestão dos instrumentos da macroeconomia e dos fundamentos das concessões que surge o desconforto. E provoca no governo o sentimento de incompreensão.

Fartas na quantidade e nos objetivos, as decisões nos últimos dias na área econômica provocam vertigem, como cenas rápidas de filmes, com um roteiro também confuso pela profusão de histórias paralelas.

O governo não oculta a intenção de que quer acelerar o crescimento econômico, atribuindo atenção especial à recuperação da indústria – fragilizada pela produtividade baixa do segmento de transformação (setores automotivo, eletroeletrônico, vestuário etc.) - e à renda real, dependente da estabilidade da inflação, que respeita, embora a trate com pragmatismo frente à meta do dinamismo econômico.

Ao mesmo tempo, decidiu atacar as causas da baixa produtividade da indústria, mas não por meio de reformas estruturais, especialmente a tributária, por recear as necessárias negociações no Congresso.

A alternativa à sua auto interdição tem sido a ampliação do modelo de concessão (para aeroportos, por exemplo) e a revisão dos marcos regulatórios de atividades já privatizadas, como a administração de rodovias, de portos e a geração e distribuição de energia.

Mas isso sem mudá-los na essência, e, sim, mexendo nos termos das concessões. Tais mudanças são explícitas, como da energia e, agora, dos portos. A questão é a forma das mudanças, geralmente decididas por poucos ou com negociações tratadas como consulta e não como um exercício visando um entendimento não arbitrário das reformas.
Outra sequela da opção de não insistir com reformas estruturantes e horizontais, que alcançam toda a economia sem exceções, é que os incentivos setorializados agradam a poucos, desagradam a muitos e deixam margem para privilegiar grupos individualizados mesmo que a intenção não seja essa. Acaba sendo devido ao perfil oligopolizado dos setores, com poucas empresas dominando toda a atividade.

O potencial de conflitos por essa forma de gestão das áreas sob a tutela do Estado e de condução da política econômica é enorme, mas, aparentemente não foi previsto. E continua mal gerenciada, como se constata pela estagnação do investimento e pelo tratamento dado ao caso pelo governo: ampliando subsídios, como se o problema fosse só de custo, não de dissonâncias cognitivas.

Decidindo na boca dura

Tome-se o caso do corte das tarifas de energia elétrica, das mais altas do mundo. O empresariado é que formulou a questão. O governo a respondeu, oferecendo uma redução de 16% (residências) a até 28% (empresas). Mas gerou conflitos, ao promovê-la à custa da renovação antecipada das concessões sem indenização adequada, como alegam os operadores (a maior parte do próprio Estado), e com uma proposta de remuneração pelos serviços supostamente inferior à necessária.

O governo fixou o corte tarifário à luz do subsídio que o Tesouro vai arcar, comunicou à sociedade (criando assim o fato consumado), mandou ao Congresso a medida provisória que define a parada (com a recomendação de não mudar nada) e chamou as empresas para assinar os novos contratos antes da lei promulgada.

Um pouco de tato talvez levasse ao mesmo resultado sem implicar perdas patrimoniais como as sofridas no mercado por uma estatal do porte da Eletrobras.

Negociação no estresse

O que virá a seguir? Provavelmente, o governo vai aceitar mudar o que disse ser imutável, sustentando com o Tesouro parte da redução das tarifas. A energia ficará menor na conta da luz, que é o que se vê, e o subsídio será rateado de modo difuso entre a sociedade.

O risco é que o que se configura como um método se espalhe e possa tolher as expectativas. A reforma do regime portuário, por exemplo, é outra prioridade que chega atrasada. A presidente a anunciou, com investimentos de R$ 54 bilhões, dos quais R$ 31 bilhões até 2015, e outros R$ 2,6 bilhões em logística.

Se bem conduzidas, as novas concessões vão multiplicar a taxa de investimentos e reduzir, além de baratear pela competição, o custo da movimentação de cargas.

Só omelete no banquete

Mas já há queixas. Apesar de estudar a reforma portuária há anos, só agora o ministro da área, Leônidas Cristino, revelou, segundo o Valor, que os 54 terminais públicos arrendados antes da chamada Lei dos Portos, de 1993, serão relicitados.

O presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários, Wilen Manteli, que defende a renovação automática, disse que as empresas vão recorrer à Justiça. Outro dissídio à vista? As empresas podem reclamar o que quiserem. O governo talvez esteja certo.

O problema é a surpresa, como se viu no caso das elétricas (e há em outras áreas, sem que tenham chegado a público). Alguns argumentam que tais conflitos se devem a erro de comunicação do governo. É sabido que não se faz omelete sem quebrar o ovo. Mas é preciso variar. Só servir omelete enjoa, e pode tirar da mesa os convidados para o banquete dos investimentos.

Origens do desconforto

É da gestão dos instrumentos da macroeconomia (os juros, o câmbio, as desonerações, os subsídios ao investimento) e dos fundamentos do regime das concessões que surge o desconforto e a desconfiança do empresariado. E provoca no governo o sentimento de incompreensão.

Por que a desconfiança, se tais decisões são tomadas para atender demandas por melhorias de competividade?

Porque o modelo econômico está enraizado. Qualquer mudança mal explicada cria insegurança.

Além disso, a competitividade implica ajustes onerosos (a receita financeira cai, as importações encarecem) antes que gere benefícios (receita operacional maior, capacidade instalada ocupada).

Alguém ai falou em período de transição? Não, não falou. Nem se há um plano de consistência macroeconômica e um modelo estratégico a guiar as mudanças. Assim fica difícil sincronizar as expectativas e liberar, como Dilma aspira, o “espírito animal” do empresariado.

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