É de suma importância relembrar que o setor agrícola (agronegócio) é uma das principais bases na economia do país, o qual alcançou uma alta tendência em 2020, segundo o PIB do Agronegócio o percentual de 6,75%[1]. Por dentro deste cenário positivo, temos vários negócios jurídicos envolvendo os proprietários das terras e interessados na compra de seu cultivo, dentre eles a compra e venda antecipada que tem sido um importante fomento para a atividade rural.
A grande maioria dos produtores rurais, que se utiliza da venda antecipada, cumpre rigorosamente com os seus compromissos, mas, em alguns casos, temos notícia de que alguns tem desviado o destino da produção comprometida, para ter maior lucro no preço de mercado da época em que realizou sua produção.
O que se verifica é que, após terem realizado a venda antecipada da produção e se apropriado dos recursos obtidos com a concessão do crédito agrícola, os produtores optam por desviar a produção comprometida na garantia para obter maior vantagem econômica com o preço do produto no mercado ao tempo de sua disponibilidade. Esta prática, além de infringir o contrato celebrado com o credor, expõe a segurança jurídica que se espera da garantia instituída e inibe a prática de fomento da atividade rural pela ideia de fragilidade dos termos pactuados, causando prejuízo ao próprio desenvolvimento econômico da atividade rural.
Sabe-se que o contrato de compra e venda ou de crédito agrícola com venda antecipada, ambos são regidos pelo Código Civil. Referidos contratos possuem implícito, por expressa determinação legal (art. 113, do Código Civil), o princípio da boa-fé contratual, contendo obrigações para ambas as partes, para que o contrato seja devidamente cumprido.
A conduta do devedor que desvia a produção para aproveitar o preço maior de mercado rompe com boa-fé e causa sério prejuízo ao credor, evidenciando a responsabilidade do devedor pelo enriquecimento sem causa, que na lição de Orlando Gomes identifica-a da seguinte maneira: “a) o enriquecimento de alguém; b) o empobrecimento de outrem; c) o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; e d) a falta de causa ou causa injusta”.[2] A responsabilização permite que, além da exigência do cumprimento da obrigação contratual, possa ter a penalização do infrator com as perdas e danos decorrentes da violação do contrato.
Apesar da clara visão do direito que socorre o credor nesta relação, a maior preocupação, até para reafirmar a segurança jurídica da garantia contratual, é prevenir a conduta ilícita, ou seja, impedir que o desvio ocorra para evitar a perda do objeto principal da obrigação.
Para esta prevenção, no momento que o credor tiver conhecimento do desvio da produção, poderá socorrer-se ao Judiciário para resguardar a apreensão da produção comprometida com a venda. O adquirente da produção pode utilizar-se da Tutela Cautelar de Arresto, para que se possa apreender as sacas de insumos/cultivos antes que estas sejam alienadas ou transferidas a terceiros. É possível que o juiz condicione a concessão da liminar ao oferecimento de uma garantia (caução), que poderá ser real (com bens) ou fidejussória (fiança ou outra garantia pessoal), destinada a indenizar o réu caso a tutela concedida seja considerada indevida.
Nossos Tribunais têm admitido tais demandas em inúmeros julgados, como se colhe: “...tendo ciência que a safra de soja colhida é produto perecível e que se figura como garantia real em Cédulas de Produto Rural já vencidas, a efetivação do arresto cautelar é medida que se impõe...” (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0295.17.000977-9/001, Relator(a): Des.(a) Marcos Henrique Caldeira Brant , 16ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/04/2018, publicação da súmula em 27/04/2018); “...existem indícios de que os executados estão se furtando da execução, depositando os bens objeto do arresto em nome de terceiros. Assim sendo, presentes os requisitos, impõe-se a manutenção da decisão recorrida que deferiu a medida cautelar de arresto...” (TJMG - Agravo de Instrumento - Cv1.0080.15.007318-9/001, Relator(a): Des.(a) João Câncio, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07/02/2017, publicação da súmula em 10/02/2017).
Estas decisões, reiteradas, trazem maior confiança à operação e, por consequência, são um estímulo ao desenvolvimento da atividade rural.
Trata-se de questão fundamental para o agronegócio, uma vez que a segurança jurídica das operações de venda de produção com pagamento antecipado é essencial para preservação do fomento da atividade agrícola e o desenvolvimento econômico desta. O Judiciário, em vários casos, tem respondido positivamente para preservar os termos do contrato e a condição do credor desta modalidade de negócio, inclusive com a concessão de liminares antes do desvio da produção.
Eduardo Figueiredo Rivaben é advogado e sócio de Brasil Salomão e Matthes Advocacia (eduardo.rivaben@brasilsalomao.com.br).
Henrique Furquim Paiva é advogado e sócio de Brasil Salomão e Matthes Advocacia (henrique.furquim@brasilsalomao.com.br)
[1]https://www.canalrural.com.br/programas/informacao/mercado-e-cia/pib-agronegocio-alta-tendencia/
[2] Obrigações. 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 250.