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Sábado, 20 de abril de 2024

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Faroeste caboclo da vida real

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Já tinha tudo pronto para escrever aqui dados que reforçam minha admiração pelo que considero ato de heroísmo a produção agropecuária no Norte de Minas Gerais. Mas a questão da disputa por terras entre índio e homem branco se agravou ao ponto de me forçar a teclar alguns parágrafos sobre o tema e adiar para a próxima semana o texto sobre o semiárido mineiro – até porque fico mais uma semana em Janaúba e terei até mais dados a respeito dos dribles que o produtor daqui dá para produzir tanto e tão bem.

A questão das demarcações não é um problema de hoje. Vem de séculos passados, quando se distribuiu mal as terras, dando margem às multiplicidades que juristas encontram na Lei. É mais ou menos como se brechas na Constituição estabelecessem que todo mundo acaba tendo razão. O caso da Fazenda Buriti é típico disto. Roberto Bacha tem razão na defesa de sua propriedade por documentado que esteja desde que conferida à sua família foi a terra onde produz com a responsabilidade de quem já dirigiu o Instituto de Defesa Agropecuária do Mato Grosso do Sul – Iagro. Mas como em outros conflitos registrados em Raposa Serra do Sol e Suiá Miçu, para usar os mais recentes e notórios, os índios terena que invadiram a fazenda em Sidrolândia, pertinho de Campo Grande/MS, buscam de volta um pedaço de chão que era de seus ancestrais antes da chegada do homem branco.

Menos mal que a discussão tem sido retratada pela mídia nacional em geral com bastante neutralidade. Formar uma opinião tendenciosa poderia resultar em ações menos equilibradas, vide manifestações às vezes violentas como nas ruas de algumas capitais por aumentos em tarifas de ônibus, por exemplo. Se pendesse para um lado populista, que defende o direito do “mais fraco”, no caso considerado por alguns antropólogos e pela Funai o índio, aí a questão e a disputa poderiam tomar um rumo mais violento do que já foi o extremismo que causou uma morte de indígena em Sidrolândia, dias atrás, e a de um produtor em Rio Brilhante, meses atrás, ambas no MS.

A terra é um objeto sagrado aos indígenas, é onde eles tiveram origem e foram descobertos enquanto o Brasil era descoberto, pouco mais de meio milênio atrás. Onde eles cultuam seus deuses e realizam seus rituais. Isso é a cultura que os coloca nessa disputa. E o caso da demarcação dessas terras é que não está tão claro. A partir da história, estudos antropológicos atuais determinam qual é ou não uma terra indígena. Muitas vezes sem levar em consideração se aquela terra tem ou não um documento que valida a presença do empresário rural no terreno. Muito menos como, quanto e o que ele produz ali. Daí o conflito.

O medo generalizado da parte que ocupa hoje as terras legalizadas pelo governo é de que a devolução aos terenas, independente do que tenha dito até aqui a Justiça na interminável batalha de liminares que voam pra lá e pra cá dando um round de razão para cada corner, transforme as mesmas terras tecnificadas nos últimos anos em improdutivas. A alegação é de que índio não faz nada além de caçar, pescar e em alguns casos fumar suas pedras nas aldeias. A cobrança é de que eles não tenham condições de manter o trabalho produtivo para apresentar alguma evolução. De que a maioria das crianças não tenham assiduidade aos estudos.

Claro que aqui na Enfoque não sairá nenhuma sentença. Mas enquanto se redescobre o Brasil dos direitos de índios e homem branco, poderiam as partes começar a traçar um plano de civilidade que os índios precisam para continuar evoluindo como espécie, não apenas deixá-lo à sorte da subsistência. Hoje já tem indígena com celular de última geração e roupa de grife importada. Tem indiozinho que passa o dia mergulhando em açudes e jogando bola sabendo todos os gostos de Neymar, Ronaldino Gaúcho e Messi. Alguns já ocupam terras que as entidades mantidas pelo governo, por exemplo, podem ajudar a tornar agricultáveis, onde os índios possam plantar, colher, vender, crescer para justificar o uso das grifes e de tecnologias que mesmo alguns brancos bem remunerados encontram dificuldade para adquirir. Se tivessem no acompanhamento que as entidades têm dado na disputa por terras a mesma preocupação com a ocupação das tribos nos campos que eles reivindicam, no mínio teríamos uma contenda mais equilibrada, mais pacífica. No mesmo instante em que todo mundo tem razão nessa disputa, todo mundo a perde quando a violência estoura.

*Daniel de Paula é publicitário e jornalista desde 1989. Trabalhou em impressos, rádios e televisão a partir de São Paulo, onde foi criado e onde se formou, com destaque para oito anos como comentarista dos canais Sportv/TV Globo até 2004. Hoje é repórter do Canal do Boi, canal integrante do SBA (Sistema Brasileiro do Agronegócio).

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