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Terça-feira, 16 de abril de 2024

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Os bancos e a responsabilidade ambiental

Sob a égide do chamado capitalismo financeiro que hoje vivemos, em que o maior capital é justamente a informação e o conhecimento, não há mais razão para não conferirmos responsabilidade aos bancos, pelas consequências ambientais da atividade financiada. Somente abordando a questão com critério. Tenho acompanhado essa questão desde o início dos anos 90, quando presidi, juntamente com Herman Benjamin, uma Comissão de Juristas instituída pela OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo), que elaborou uma proposta de legislação ambiental consolidada, bastante debatida na ocasião e entregue à Presidência da República em 1992. Naquela época tratamos de inserir a responsabilidade solidária das instituições financeiras pelo dano ambiental ocasionado por obra por elas financiada. De lá pra cá integrei inúmeros grupos de trabalho, alguns deles com os próprios Bancos, visando encontrar um critério justo de responsabilização.Acredito que, agora, é chegada a hora de firmar posição efetiva.

Do Protocolo Verde assinado pelos Bancos, sob os auspícios do PNUMA, em 1992, ao “Equator Principles” organizado pelo IFC, em 2003, muita coisa mudou para melhor no que tange à capacitação do setor financeiro e o entendimento do vetor ambiental como fator de risco econômico.O Equator Principles, editado em 2003 e reestruturado em 2006, hoje orienta centenas de instituições financeiras, públicas e privadas, quanto aos procedimentos de salvaguarda ambiental e social nos contratos de financiamento e acompanhamento da evolução da atividade financiada.

Pelo procedimento adotado, os projetos ficam sujeitos à classificação em três categorias, conforme o nível de risco ambiental e social aferido: A (alto risco), B (risco médio) e C (baixo risco). Para aqueles classificados como A ou B, compete ao interessado no financiamento elaborar a avaliação ambiental do projeto, abordando, entre outras questões, aspectos ambientais e sociais, o cumprimento das normas legais, compatibilidade com o desenvolvimento sustentável pretendido regionalmente, a utilização de recursos naturais renováveis, a proteção da saúde e da diversidade cultural e étnica e a adoção de mecanismos de prevenção e controle dos impactos.

O IFC (braço privado do Banco Mundial) estabeleceu, no preambulo do Equator Principles, em 2006, que o importante instituto do project financing “é um método de financiamento em que o credor olha principalmente para as receitas geradas por um único projeto, tanto como fonte de reembolso como garantia para a exposição, que desempenha papel importante no financiamento do desenvolvimento em todo o mundo”. Nesse sentido, “financiadores do projeto podem encontrar questões sociais e ambientais, que são ao mesmo tempo complexos e desafiadores, especialmente com relação a projetos nos mercados emergentes”.

O setor está mais que consciente quanto à sua responsabilidade, e disso não há dúvida.

A responsabilidade pode ser destrinchada linearmente, a partir da Lei Federal 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente, palmilhada em três institutos:
1- Conceito de poluidor – o agente responsável “direta ou indiretamente” pela atividade causadora de degradação ambiental (art. 3º., IV);
2- Conceito de responsabilidade civil objetiva do poluidor – que responde pelo dano causado ao meio ambiente, independente de culpa – seja ela contratual ou extracontratual (art. 14. §1º.);
3- Obrigação dos órgãos de financiamento e incentivos governamentais a condicionarem a aprovação de projetos habilitados a esses benefícios ao licenciamento, na forma da lei, e ao cumprimento das normas, dos critérios e dos padrões expedidos pelo CONAMA (art. 12).

O conceito de poluidor indireto, estabelecido na Lei, vincula o responsável contratual pela viabilização do empreendimento. O nexo causal é a concessão do crédito financeiro – necessário para viabilizar economicamente o empreendimento e, portanto, implicar a responsabilização.

O nexo causal pode, subjetivamente, ainda se dar por extensão mesmo do conceito de ilicitude, vinculado por lei à performance econômica do agente, dispondo o Código Civil que:
“ Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Se levarmos em conta a implicação dessas figuras jurídicas sob a égide funcional da nossa Constituição Federal, fica claro que os titulares da relação de financiamento devem observar:
“Art. 170. (…) VI – a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.”

Sendo o Estado regulador da atividade econômica, suas diretrizes indicativas e de compatibilização funcional da economia com os interesses e programas de desenvolvimento e equilíbrio ambiental (art. 174 da CF), deverão estar presentes e constituir o “bona fide” de qualquer contrato de financiamento, em especial de obras estruturantes.

O interesse difuso em causa – o equilíbrio ambiental, é por definição legal indivisível, transindividual e de titularidade indeterminada, e sua relevância pública há de ser considerada em qualquer contrato que viabilize economicamente empreendimento potencialmente causador de impacto ambiental.

Todo financiamento de projeto com potencial impacto ambiental tem interesse público e é relevante, e a inobservância dos aspectos ambientais no ato de contratar o aporte é criminalizada pela Lei Federal 9.605/98, que estabeleceu o seguinte tipo penal, aplicável à conduta:
“Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.”

Posta em causa a efetiva responsabilização, é importante verificar a configuração do nexo causal.

O momento do financiamento é crucial, porque o financiamento é temporário, e a atividade financiada resultante é perene. Há responsabilidades cujo nexo causal permanecem atadas ao vínculo estabelecido com o financiamento e há responsabilidades inerentes à operação da atividade e ao risco do empreendimento, que seguem vinculadas ao empreendedor, e não mais vinculam o financiador.

O primeiro momento é o de aprovação do financiamento, chamado de pré-aprovação, é a etapa em que o organismo financeiro exige do interessado licenças e documentos comprobatórios do efetivo cumprimento da legislação ambiental.
A inobservância dos requisitos legais, com efetiva liberação de valores à margem da legislação ambiental, é suficiente para gerar responsabilidade solidária do financiador. Por se tratar de procedimento satisfativo, não se confunde a instituição financeira com o órgão licenciador, não cumprindo àquela querer “mais” que este. No entanto, é a hora de se aferir o risco, devendo ser apresentada análise para avaliação do conflito potencial em causa.

O segundo momento é o da pós-aprovação do financiamento. Cumprida a legislação ambiental pelo candidato ao crédito, advindo, no entanto, dano superveniente ao meio ambiente, o banco poderá ser responsabilizado – porém, de forma restrita.
O TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), já consignou que somente se configura a responsabilidade ambiental da Instituição Financeira se comprovado, no curso do processo, que ela tinha conhecimento dos danos ambientais gerados pelo tomador do crédito, e que, apesar da informação, liberou parcelas referentes ao financiamento da atividade poluidora (TRF-1. Des. Fagundes de Deus. AG01000363292/MG – Quinta Turma, J. 19/12/2003).

Se levarmos em conta que a análise de risco é instrumento hoje obrigatório do project financing como acima já dito, o risco financeiro e ambiental é perfeitamente aferível, bem como a consciência deste pelo órgão financiador, atestada documentalmente.

No entanto, não basta a inserção do risco para gerar a responsabilidade. Seria necessário que não houvessem medidas mitigadoras e de prevenção estabelecidas no processo de licenciamento e que, analisado o risco devidamente pelo órgão financiador, não houvesse este, ainda assim, tido o cuidado de exigir a adoção daquelas pelo mutuário, de forma a evitar a transmissão da responsabilidade. Nesse sentido, a Análise de Risco é um documento importantíssimo, e cronologicamente importante, para firmar o limite da responsabilização do financiador.

Um último momento, é o da ocorrência da hipótese de dano ambiental superveniente, após encerrado o financiamento, já esgotados os aportes.
Não se presume ilicitude da atividade e o dano pode surgir de forma incidental, na instalação ou operação do projeto. Nesse caso, não há vínculo entre o fato do financiamento e o ato da atividade financiada. A responsabilidade deverá ser resolvida pelo mutuário perante a autoridade ambiental.

Os agentes econômicos, por outro lado, por mais que contribuam para a proteção do meio ambiente, não detém poder de polícia, e, portanto, sua competência para fiscalizar os empreendimentos financiados é limitada.
Essa definição importa na medida em que o Ministério Público, não raro intervém politicamente no processo de financiamento, apresentando notificações e recomendações abusivas, para pressionar bancos a adotar medidas às quais não estão obrigados e cuja competência legal não lhes é atribuída. Abusos mandamentais do Ministério Público, portanto, não podem impor ônus arbitrário aos bancos antes de estabelecer-se claramente qual a medida de sua responsabilidade.

Há que se reconhecer, ainda, o compromisso firmado pelo financiador para liberar as parcelas referentes ao contrato firmado. Uma vez em curso, não há como interromper o financiamento a não ser por motivo relevante e comprovado, ou por decisão judicial, jamais por “suspeita”. Postas essas considerações, o caminho está no manejo dos instrumentos de avaliação de risco na análise de crédito, e na instituição de mecanismos de acompanhamento e documentação.Conferir certeza jurídica e reduzir inseguranças nos aspectos relacionados à responsabilidade ambiental dos bancos é fundamental para assegurar sustentabilidade aos investimentos.

Escrito por Antônio Fernando Pinheiro Pedro, publicado no portal Última Instância em 14 de maio de 2013. Para acessar o artigo original, clique aqui.

*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados (PPA). Desde 1985 dedica-se à advocacia especializada em Direito Ambiental. É também membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional e consultor do Banco Mundial, com vários projetos já concluídos.

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